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Som da Liberdade, teorias da conspiração e um bom filme

O polêmico “Som da liberdade” (2023), dirigido por Alejandro Gómez Monteverde e estrelado por Jim Caviezel, é um dos filmes mais bem avaliados por público, e mais hostilizados pela mídia especializada, de que se tem ideia. Abordando um tema importante, as redes de sequestro de crianças para redes de prostituição infantil, ancorou-se em teorias da conspiração da extrema-direita norte-americana e, intencionalmente ou não, criou aí seus principais problemas de divulgação e sua melhor estratégia de espalhamento independente.

A verdade e o embuste

Ballard na vida real (acima) e interpretado por Jim Caviezel (abaixo)

Tim Ballard (Caviezel) é um ex-policial norte-americano, especializado em crimes internacionais, que criou a Operação Trem Subterrâneo, a fim de investigar o submundo da corrupção infantil e suas relações com setores poderosos política e economicamente, tanto nos Estados Unidos quanto no exterior, capazes de acobertar uma rede complexa o suficiente para dar conta do desaparecimento de milhares de crianças. A operação, realizada em 2013, foi alegadamente responsável por resgatar milhares de vítimas, todas em países periféricos.

No filme, ele abre mão de agir dentro das normas do serviço de segurança interna dos Estados Unidos, partindo sozinho à Colômbia, para buscar duas crianças hondurenhas raptadas num prometido ensaio fotográfico. O pai busca Ballard e a história se desenrola, com a aliança do policial com colombianos do submundo do crime e da prostituição, porém não ligados ao esquema de tráfico humano. As idas e vindas chegam a uma festa numa ilha privada, que seria uma das interceptações que resultaram no suposto resgate de milhares de menores.

A questão que fica é a realidade dos fatos. Ballard jamais indicou documentação de seus feitos, visto que ela não foi feita pelo Estado americano, e sim pela transformação da operação numa Organização Não-Governamental (ONG), que teria trabalhado em parceria com agentes de segurança e de inteligência privados em vários países. A pouca transparência da organização abre espaço para conspiracionistas norte-americanos, que afirmam que a rede desarticulada por Ballard teria relações com a senadora e ex-candidata a presidente Hillary Clinton, do Partido Democrata, e outras sandices como o encontro dela e outros poderosos no subterrâneo de uma franquia Pizza Hut. Tudo isso a fim de traçar os planos para o tráfico de crianças.

O que se aproveita?

Por incrível que pareça, é um bom filme, por isso agrega tantas avaliações positivas entre espectadores, que não o avaliam de forma contaminada pelo panorama de fundo. A crítica, pelo contrário, além de informada sobre as imprecisões e aparentes segundas intenções do filme, é usualmente alinhada à esquerda mundial e, desta forma, rejeita a produção como servil aos diversos maus propósitos do trumpismo.

A narrativa flui como um bom filme de ação, com os nós e desenlaces ocorrendo de forma coesa, porém superficial, até que Ballard cumpra a missão de resgatar as duas crianças. Contudo, quem espera o momento da ligação entre aquela parte da operação e as teorias da conspiração sobre o subterrâneo da pizzaria sai com as mãos abanando. A contrapartida disso é que Ballard, ciente do frisson causado pelo filme na extrema-direita, americana, em momento algum se dispôs a negar quaisquer conexões delirantes e afirmar que trata-se estritamente de uma operação, com início meio e fim, realizada em 2013.

Não fica claro se o faz para não frustrar parte substancial do público, pensando mercadologicamente nos ganhos de sua ONG, ou se porque vela a mesma opinião e deixa que o filme opere silenciosamente a mensagem. Igualmente, Monteverde e Caviezel não se posicionam em contrário das teorias, sendo este último, pelo menos, também fervoroso apoiador do atual presidente dos Estados Unidos. Sendo assim, o filme fica maculado pela suspeita de serviço sujo, ainda que seja uma boa fonte de diversão, equilibrando a ação e a aventura com a seriedade que exige o tema da pedofilia.



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