Réquiem Para um Sonho e o alívio trágico do viver

O mundo contemporâneo nos permite ser felizes, ou estamos sempre, no mito da perseguição de sonhos, encontrando o caminho da melancolia e da tristeza. E se, para além disso, a não realização dos sonhos nos faz recorrermos a anestesias, amplamente as drogas, e assim terminamos numa infelicidade intermitente com momentos de alento?

Essa abordagem quase à Schopenhauer foi o tema de “Requiem para um sonho” (2000), dirigido por Darren Aronofsky, com um elenco recheado de estrelas: Jared Leto, Jennifer Connely, Ellen Burstyn, Marlon Wayans.

Sonhos, sonhos, sonhos

O filme é dividido em quatro partes, correspondentes a cada estação do ano, retratando um ano de quatro personagens em busca de seus sonhos. A senhora Sara (Burstyn), sonhando em ser magra para aparecer num show televisivo. Seu filho, Harry (Leto), e a namorada Marion (Connely), que querem montar o próprio negócio e enriquecer. E o melhor amigo dos dois, Tyrone (Wayans), um homem negro e periférico que se une aos dois, buscando deixar a pobreza.

O grande problema é: a sociedade, sobretudo em sua organização econômica, não é feita para que qualquer um possa, com os próprios esforços, deixar a marginalidade. Sara é tomada pela indústria alimentícia feita para viciar as pessoas em serotonina, Harry, Marion e Tyrone vivem a angústia de verem seus negócios darem errado e, neste caminho, recorrem às drogas, progredindo até o vício em heroína, e o tráfico como forma de subsistência. Com isso, a dificuldade com os negócios formais torna-se falência e vida ganha em cima das drogas, parte delas consimida.

Sara, na impossibilidade de emagrecer com dieta, recorre a anfetaminas, e vai se viciando de tal forma que emagrece, mas às custas da perda de sua sanidade mental. Tudo para poder usar um vestido que está apertado.

À medida que enlouquece, vai se isolando em seu mundo e criando um delírio sobre sua participação no show televisivo de seus sonhos, algo similar a um talk show, e chega a comparecer ao estúdio da TV, quando é pega na loucura e internada. Os jovens entram nas drogas de tal forma que terminam catastroficamente: Harry internado após perder o braço, gangrenado de tantas injeções de heróina. Tyrone preso por tráfico. Marion se prostituindo em orgias para gente rica, em troca de droga.

Todo esse processo é dividido, como já dito, em quatro estações. Começando na primavera da esperança, no verão do esforço pessoal rendendo pequenos frutos, passando pelo outono das dificuldades e terminando no inverno do fracasso pessoal e da dor.

Por que assistir?

É um filme de atuações brilhantes, aqui especialmente apontada a de Ellen Burstyn, magnífica na expressão da decadência e da loucura. Darren Aronofsky, que depois se notabilizou pro “Cisne negro” (2010) e “A baleia” (2023) – já analisado pelo Literatura e Jornalismo – ainda bem distante de sua maturidade estética e narrativa, já brilha ao retratar lucidez e loucura, esperança e decadência. Isso além de uma interessante sequência estética da produção de efeitos da droga no corpo humano, toda vez que as personagens se drogam, mostrando os efeitos a partir de mudanças nos olhos, com cortes secos e sonoridade limpa estilo ASMR, produzindo uma sensação fantasmagórica de angústia e terror.



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