
O sorriso e a tragédia de Robin Williams
O sorriso de Robin Williams sempre foi algo entre o irônico e o melancólico, mas pouco se percebia isso. Para quem nasceu entre os anos 1980 e 1990, e portanto viveu aquelas décadas e o princípio dos 2000, a cada dois anos um novo filme do popular humorista de Hollywood era motivo para encher as salas de cinema. Depois – e enquanto isso – esperar seus filmes passarem na TV aberta para se divertir com suas piadas que, algumas datadas outras não, eram daquelas que ver novamente sempre seria como pela primeira vez.
“Vejam só: é o meu primeiro dia como mulher e já sinto os calores”.
Quem não se lembra das palavras da Sra. Doubt Fire em “Uma babá quase perfeita” (1993), dirigido pelo mesmo Chris Columbus de “Esqueceram de mim” (1990) e dos primeiros Harry Potter, quando se atrapalha com o fogão e deixa pegar fogo nos seios artificiais? Alguns poderiam dizer que a figura da mulher trans como farsa seja ofensivo, o que é de se esperar com as suscetibilidades das minorias que é exacerbada pelas redes sociais. Naqueles tempos, garanto, mesmo as travestis riam dessa piada, toda tarde no SBT ou na Globo.
Entre o cômico e o trágico
Robin tinha mesmo o traquejo para se alternar entre a alegria e a tristeza. Quando escalado para o excêntrico Jumanji (1995), de Joe Johnston, que mais tarde faria “Capitão América: o primeiro vingador” (2011), performou magicamente o garoto que volta ao mundo depois de abduzido por um jogo de tabuleiro que traz com ele uma selva africana para a cidade. Adaptado ao mundo dos games em 2017, estrelado por Jack Black, Jumanji seguiu fazendo sucesso. Contudo, o apelo daquele primeiro, até por conta da força da TV aberta reprisando-o a cada seis meses nas sessões vespertinas, permitia que filmes ficassem na sua cabeça muito mais que hoje, dias em que “Adolescência” já ficou para trás e todos falam em “O Eternauta” e a nave vai.
Poderia enumerar um sem número de personagens em filmes icônicos da comédia de Robin Williams, algumas mesclando com o infantil outras com o trágico, e cada leitor há de lembrar mais carinhosamente de um deles, como “Hook: a volta do capitão gancho” (1990), de ninguém menos que Steven Spielberg; “Bom dia Vietnã” (1987), do mesmo Barry Levinson do clássico vencedor dos Oscar de Melhor Filme, Diretor e Ator – Dustin Hoffman, no papel de um homem autista – “Rain Man” (1988); e “Uma noite no museu” (2006), de Shawn Levy, que mais tarde faria “Deadpool x Wolverine” (2024).
E, se não faltavam comédias, o ator também se aventurou pelos filmes dramáticos, vencendo o Oscar de Melhor Ator Coadjuvante na cerimônia de 1998 por “Gênio Indomável” (1997), dirigido pelo denso cineasta Gus Van Sant, de “Elefante” (2003), filme sobre o massacre de Columbine em 1999. Nele, o ator faz um profissional de saúde mental que busca recuperar um conturbado jovem, interpretado por Matt Damon, que viria a se tornar um gênio da matemática.
Em “Patch Adams” (1998), injustamente creditado como um de seus piores filmes, ficou talvez no lugar em que se sentia mais confortável, entre a tristeza e a alegria. Sob as claquetes de Tom Shadyac, que dirigiu comédias consagradas como várias das mais famosas de Jim Carrey e Eddie Murphy, era o ator ideal para trazer leveza para uma história do fundador de uma entidade que, aqui no Brasil, seriam os Médicos do Barulho ou os Doutores da Alegria, numa história que tem a leveza do humor em meio ao câncer infantil e ao assassinato de uma jovem.
O papel emblemático, ou profético
No entanto, seguramente é em “Sociedade dos Poetas Mortos” (1989), de Peter Weir, o qual mais tarde faria o clássico cult “Truman – O show da vida” (1998), que Robin Williams exerceu o papel que mais lhe caiu como aquele pijama velho que lhe é a roupa mais confortável da casa, embora ninguém vá sair com ele.
O professor de literatura John Keating, que chega a uma escola tradicional para milionários americanos e busca mudar seus métodos pedagógicos à revelia dos conselhos de classe, ganhou os corações de todos os rebeldes dos anos 1990, mas embutia um Robin Williams que, de tão perfeito no papel, ali mostrava o que seria seu destino.
O ator, em meio aos risos, cercava-se da mesma tragédia que provoca à escola Welton Academy. Keating, embora absolutamente talentoso na arte de entreter, não compreendia como equilibrar-se entre o progresso e a tradição, entre o visionarismo e as regras. Buscando levar adolescentes a despertar o melhor de si do ponto de vista criativo, como professor de literatura, traz desarmonia entre a turma e a escola, entre alunos e pais. Assistir a esse filme, quando jovem, provoca imediata sensação de empatia em relação ao professor, a quem os alunos chamam “Oh, captain, my captain”, e são regidos pelo lema latino carpe diem, ou “aproveite o dia”.
Porém, os limites de sua sala de aula extravasam, o grupo de alunos mais ligado a ele constitui a tal Sociedade dos Poetas Mortos, e tudo se trata de adolescentes fugindo da escola e se afundando em cavernas, desobedecendo aos pais, ignorando professores e rasgando páginas de livros. Por mais que o professor de língua latina, George McAllister, jogue todas as boias possíveis incentivando Keating a moderar, o caminho torna-se sem fim e termina tragicamente, graças a um aluno que enfrenta os pais de forma tão frontal, que não suporta a reação desproporcional da autoridade paterna.
É justo este fim?
Evidentemente não é justo o final de “Sociedade dos Poetas Mortos”. O que Keating desejava é que todos pudessem viver seus sonhos. Mas o que ele ignorava é que nós todos vivemos em negociação com o mundo, que nos precede, muito antes que pensássemos em nascer e tivéssemos as nossas próprias vontades. O que faz o professor Keating é fingir que não existe o mundo anterior e apenas incentivar o “aproveite o dia”, um viver o agora que se tornou marco da geração millenial, da qual o filme se tornou símbolo e inspiração.
A história de Keating e de seus alunos pareceu estar marcada na pele de Robin Williams, que, entre idas e vindas da alegria e da tristeza, sabendo interpretá-las tão bem que não poderiam, apenas como bom ator, advir de sua capacidade de entrar em personagens, certamente tinham muito de si mesmo. Um ator que chegou a chamar o Brasil de antro de prostitutas e cocaína, ressentido de sua Chicago ter perdido a sede das Olimpíadas 2016 para o Rio de Janeiro. Ele próprio oscilante entre as drogas e o sucesso.
Williams se enforcou em 2014, deixando o mundo órfão do, talvez, maior humorista hollywoodiano da segunda metade do século XX, o que o inscreve, tomando todo o centênio, junto a nomes como Charles Chaplin e Jerry Lewis e Jim Carrey, e hoje poderia ser acompanhado por James Carrell e Jack Black, estes já de carreira sólida no século XXI. Dificilmente, com os nomes do passado e de hoje, fecha-se uma conta sem Robin Williams entre os cinco maiores, mas seus filmes entraram em decadência.
O suicídio marcou demais quaisquer produções com o ator. Assistir a Robin Williams, vestido de mulher de meia-idade, escondendo as pernas peludas do assédio do motorista, ou o radialista saudando soldados feridos e exaustos no Vietnã como se fosse um radialista de uma alegre rádio de interior, para muitos perdeu o sentido. Um dos maiores atores da história saiu de cena melancolicamente, como parece ter sido sua vida e, certamente, foi sua atuação, e hoje as produções de que participou circulam entre o histórico e o cult.
Neste último, sempre terá o coração de quem ama o cinema.