Grande Sertão: Veredas, uma HQ mais pra faroeste

Adaptar literatura aos quadrinhos pode ser um clichê, um caça-níqueis do mercado editorial, que põe a rodar todo tipo de literatura clássica ou mesmo contemporânea a ser publicada e vendida nas livrarias. Faz-se como algo novo, como uma nova forma de ler tal ou tal livro, e aí um monte de gente vai lá e compra. Este não é, contudo, o contexto em que está a adaptação de “Grande Sertão: Veredas”, original publicado por João Guimarães Rosa em 1956.

Na versão gráfica da Globo Livros, é roteirizado por Guazzeli e tem as artes de Rodrigo Rosa, sendo um livro dos mais belos que existe no mercado dos quadrinhos.

Mudança de linguagem

A dinâmica do livro é típica dos quadrinhos. Ação, muitas referências gráficas, detalhamento intenso, formando imagens grandiloquentes em cada pequeno quadro. Sacrifica-se, porém, a linguagem inovadora de Guimarães Rosa, mimetizando, nas ferramentas do português, o sotaque dos mineiros matutos do início do século XX. Na versão gráfica, chega-se a usar um pouco do português informal atual.

Tal perda é compensada pela incrível caracterização das personagens, melhor que quaisquer outras adaptações visuais de outros formatos. Nenhuma minissérie ou representação gráfica de “Grande Sertão: Veredas” conseguiu tanta acurácia na representação de Riobaldo, Diadorim, Joca Ramiro e companhia limitada, e portanto é o primeiro em que se consegue reproduzir o aspecto andrógino de Diadorim, que será fundamental ao fim da história.

A divisão dos quadros apela muito ao visual: grandes paisagens, ou cenas de ação que se desenvolvem em duas páginas abertas, personagens que ocupam uma página de cima abaixo. Por vezes, pequenos quadros ficam intercalados não com a imagem maior, mas dentro dela, mostrando o que ocorre em paralelo. Isso dá ao livro uma dinâmica jovem e de leitura rápida, compensando com uma obra longa para os padrões dos quadrinhos: 178.

A quem se destina

Ainda que o leitor seja um fã de quadrinhos tradicionais, ou seja, de super-heróis ou histórias japoneses em formato mangá, “Grande Sertão: Veredas” é um livro para todos. Contudo, o amor pela literatura é o chamariz principal para o livro, sem que ele seja exatamente um convite à literatura. Isso porque ele é descompromissado como o livro, criando uma narrativa que mais dialoga com o faroeste que com o jaguncismo das minas profundas no século XX.

Isso ocorre porque, sem a linguagem matuta, e com o retrato grandiloquente de uma Minas que, possivelmente, era menos convidativa visualmente, além de personagens elegantes e imponentes que provavelmente eram homens malvestidos e de pés no chão, o livro caminha para um imaginário americano. Isso pode convidar muitas pessoas a adquirir a obra, mas os que não o fizerem por apreço a Guimarães Rosa, possivelmente buscarão “Red Dead Redemption”.



Siga


Categoria