Evaristo, Eternauta e o glamour da HQ argentina

O cinema argentino, pelo menos desde o auge alcançado com o filme “O Segredo de Seus Olhos” (2010), dirigido por Juan José Campanella, tem nos brindado com preciosas joias do audiovisual latinoamericano, como os filmes “Relatos Selvagens” (2015), e “Argentina – 1985” (2022). O primeiro foi vencedor do Oscar de Melhor Filme Internacional – segundo prêmio do país – e os demais estiveram indicados na cerimônia. Contudo, outra arte em que os argentinos se sobressaem são os quadrinhos.

E não se está falando só da Mafalda (1964), do cartunista Quino, um dos maiores ícones da cultura pop mundial. Também, agora, “O Eternauta” (1957), quadrinhos com história de Héctor Germán Oesterheld e traços de Francisco Solano López, tornou-se uma das séries de maior audiência da Netflix no ano. Isso além de várias outras obras do cartoon argentino que ocupam as prateleiras de HQs cults nas principais livrarias, uma das quais será o tema da análise de hoje: “Evaristo” (1978), série policial de histórias curtas em estilo noir.

Sombra e decadência

Ares do noir americano, que, como já explicamos aqui, trabalha com luzes e sombras para criar um cenário decadente, de mistério e crimes, são exaustivamente explorados na cultura argentina. O próprio “O Segredo de Seus Olhos traz essa perspectiva”. “Evaristo”, portanto, é mais uma delas, e vai contar histórias curtas sobre um politicamente incorreto, mas bastante carismático, detetive argentino que é diretamente inspirado no inspetor Evaristo Meneses, um comissário da polícia argentina que foi responsável por desvendar crimes importantes do começo do século XX.

Não sei exatamente sobre a figura real que inspirou a personagem, mas Evaristo, em “Evaristo”, é um herói absolutamente falho, que recorre a todo tipo de expediente para resolver seus crimes, ainda que isso envolva suborno, associação com outros criminosos, assassinato. Além disso, ele próprio leva uma vida desregrada, para dizer o mínimo, e fuma muito, bebe muito, e sua perda de saúde é retratada com a crueza de uma cena de vômito no banheiro da boate onde, na sequência, ele seguirá investigando o crime.

Vilões e eixos narrativos não são o coração da obra, como se esperaria. Os crimes são um tanto superficiais e o leitor é deixado a se levar pelo clima da obra, perfeitamente ambientado numa Buenos Aires e até numa Cidade do Panamá dignas do noir americano, e na própria personagem principal, símbolo de um luxo e uma elegância que, vistos do espelho, mostrariam a degradação e a decadência que podem muito bem metaforizar a própria Argentina – e o próprio argentino. Evaristo nunca se deixa, porém, passar por abatido. Altivo, sagaz e imoral, está sempre pronto a resolver um crime, custe o que custar.

Aos amantes do noir

Carlos Sampayo (à esquerda, com o companheiro José Muñoz). Abaixo, Francisco Solano López.

O livro, publicado no Brasil em 2021 pela ComixZone! e diagramado em 230 páginas, é, antes de tudo, uma pedida para os amantes de histórias noir. Bem simples, centrados na figura do investigador que passa suave entre o glamour e a decadência, embora aqui sem a femme fatale dos filmes americanos.

Porém, com o recente sucesso de “O Eternauta”, o fã de quadrinhos pode muito bem se aventurar pela HQ que inspirou a série e, depois, conferir mais este excelente trabalho do desenhista Francisco Solano López, de mais ilustre fama que aquele ditador que iniciou a Guerra do Paraguai.



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