
Clock Tower e o terror na era 16-bits
Um dos cenários mais vastos da cultura gamer é o dos jogos de survival horror, ou terror de sobrevivência, em que o jogador, normalmente, controla uma personagem com poucos recursos de defesa, ou completamente indefesa, para deixar um lugar misterioso e apavorante ao qual chegou e não se lembra ou não sabe como.
Há variações. No clássico multiplataforma Resident Evil (1996), são policiais pegos por uma invasão zumbi, em Dead Space (2008), para Xbox e PC, são mecânicos que descobrem uma mutação alienígena numa estação espacial destruída, em Amnésia: The Dark Descent (2010), indie para PC, é um lord inglês que acorda numa mansão assombrada sem se lembrar de nada. Em Eternal Darkness: Sanity’s Requiem (2002), para Nintendo GameCube, é uma jovem que acessa histórias de diferentes pessoas no passado, em busca de um artefato arqueológico sombrio escondido pelo avô.
Curiosamente, o gênero, até por dispensar gráficos e mapas muito elaborados e conseguir entreter com abordagens minimalistas, é uma fonte excelente de jogos independentes, como o próprio brasileiro FOBIA: Santa Delfina Hotel (2022), lançado para PC, sobre um hotel catarinense em que um turista se vê sozinho e cercado de situações macabras. Talvez o porquê disso se explique bem num de seus primeiros sucessos, senão o primeiro: Clock Tower, lançado em 1995 para Super Nintendo, e agora remasterizado para Nintendo Switch.
O clichezasso da adolescente indefesa
O terror explora clichês, até mais que outros gêneros, como sabemos.
Em Clock Tower não é diferente. Tudo se trata de uma menina de 16 anos, colegial, chamada Jennifer, que se torna órfã e é levada com seus dois irmãos mais novos para a mansão de um certo Sr. Burrows, que, misteriosamente, é quem passa a ter a guarda das crianças. Lá, tem uma conversa com a governanta, uma idosa chamada Mary, que diz que vai buscar o dono da casa para conversar com ela e os irmãos.
Contudo, ela demora, e Jennifer sai para buscá-la. Com dois ou três passos no cômodo atrás da sala, ela ouve gritos, e o jogador seguramente toma o primeiro susto, dado o silêncio do ambiente e a ressonância dos passos da personagem, já utilizando recursos de som para causar tensão. Quando ela retorna para ver o que ocorreu, os dois irmãos estão assassinados, com os corpos partidos como que por grandes tesouras.
Começa o jogo. O jogador, movendo Jennifer, terá de descobrir o que ou quem matou os irmãos e, principalmente, sobreviver e deixar a casa.
Movendo-se por cliques
O jogo, ainda que comandado pelos controles do Super Nintendo, é um point-and-click, ou seja, você se move indicando no cenário onde a personagem vai. Você clica, e ela segue, ou seja, os movimentos dela são automáticos de um ponto ao outro. Além das limitações da era 16-bits para jogos de terror, a escolha pelo point-and-click é boa, no sentido de dar limitações ao controle da protagonista e, portanto, torná-la mais indefesa e levar o jogador ao pânico em momentos críticos do jogo.
Eles se dão porque, vez por outra, enquanto explora a casa, Jennifer dá de cara com um homem deformado, bem inspirado no psicopata de “O Massacre da Serra Elétrica” (1974), que vem atrás dela sempre com uma imensa tesoura de jardinagem. Daí já se sabe quem matou as outras crianças, mas resta descobrir o motivo e fugir. Quando ocorrem as emboscadas, o jogador só pode começar a clicar corretamente em locais para onde Jennifer possa correr, até despistá-lo, ou onde ela possa se esconder, quando não estiver sendo vista.
Ao longo do jogo, escolhas que são feitas vão determinar o curso da história, as descobertas que a casa vai oferecer etc. Trata-se de uma mansão com muitos cômodos, jardins, garagem, porão e sótão, então leva muito tempo, até porque o jogador resolve puzzles, tendo que raciocinar como liberar dispositivos como cofres e objetos raros sem funcionamento claro, o que só se pode fazer com informações que estão dispersas em vários lugares da casa.
Entre silêncio e som
O desafio de sobreviver às súbitas aparições do homem da tesoura, que são raras, mas ficam sempre iminentes e provocam tensão na abertura de cada porta, ou a cada vez que a protagonista faz barulho, dão o ritmo da relação de curiosidade, angústia e medo necessárias a todo survival horror. Se muitos jogos trabalham luzes e imagens grotescas para amedrontar o jogador, este não. Clock Tower é um jogo do som. Os passos ressonando ocos na madeira do chão, as portas rangindo quando se abrem, o som da corrente que se puxa, tudo fica bem associado ao medo do homem da tesoura. O resto é silêncio e o lindo gráfico de uma mansão em estilo inglês, num dos melhores 16-bits da geração, já que o jogo surge bem ao final desta era.
Por sinal, mansão inglesa é um outro baita clichê explorado em Amnésia e Eternal Darkness, ainda que nenhuma dessas três seja inglesa. Amnésia é na Alemanha, Eternal Darkness é nos Estados Unidos, e Clock Tower é na Noruega. Isso mostra como o imaginário de mansão inglesa da Era Vitoriana se entranhou nas histórias de terror, devido às tantas publicadas como literatura nos séculos XVIII e XIX: “O retrato de Dorian Gray”, “Frankenstein”, “O Morro dos Ventos Uivantes”, “O cão dos Baskerville” etc.
Mas isso seria assunto para outra análise. O que importa é: arrisque-se em Clock Tower e descubra como começou o survival horror.